Dia da Recoleção Agostiniana 2024.

O prior geral, Miguel Ángel Hernández, envia esta mensagem a toda a Família Agostiniana Recoleta no aniversário do nascimento da Recoleção Agostiniana, na qual reflete sobre a enorme simbiose entre “ser peregrino” e “ser recoleto” e como o Rememoração pode ser um farol de fé e transformação.

Nossa Família celebra hoje o 436º aniversário da Recoleção Agostiniana. Neste ano, queremos celebrá-lo com o olhar voltado para o próximo Jubileu da Igreja, que tem como lema Peregrinos da esperança, e que será inaugurado pelo Santo Padre com a abertura da porta santa na noite de Natal.

O lema do Jubileu se conecta perfeitamente com o espírito da Recoleção. Porque se, por um lado, ser peregrino implica um caminho, uma jornada em direção à plenitude, onde cada passo está impregnado de fé e confiança na misericórdia de Deus, por outro lado, ser recoleto é também um peregrinar para dentro, “um peregrinar ativo pelo qual o homem disperso e esparramado pela ferida do pecado, movido pela graça, entra em si mesmo, onde Deus já o está esperando”, dizem nossas Constituições.

Se ser peregrino significa, em palavras do Papa Francisco, “recomeçar a cada dia, recomeçar sempre, recuperar o entusiasmo e a força para percorrer as diferentes etapas do itinerário que, apesar do cansaço e das dificuldades, sempre abrem diante de nós novos horizontes e panoramas desconhecidos”; e ser recoleto é um chamado a ser corajosos na busca pela verdade, dispostos a questionar o que nos rodeia em vez de nos acomodarmos. A Recoleção é um convite à insatisfação criativa, que busca o crescimento e a transformação, em vez da dureza do coração.

Se ser peregrino, diz Francisco, “é colocar-se a caminho para descobrir o amor de Deus e, ao mesmo tempo, para nos conhecermos a nós mesmos por meio de uma jornada interior, sempre estimulada pela multiplicidade das relações”, ser recoleto é também peregrinar para dentro, descer às profundezas do mais íntimo do nosso ser e voltar ao coração, onde nos espera o mestre interior, o único que pode transformar nossa vida e torná-la nova.

Se ser peregrino “é caminhar, desinstalar-se, sair da quietude que se torna uma comodidade paralisante, rotineira, formalista, e avançar, livres de condicionamentos, para ler com realismo os acontecimentos”, diz Elsa A. Tosi de Muzio; ser recoleto é caminhar e viver desapegado de tudo o que nos tira a liberdade em um processo que deve necessariamente aprofundar na interioridade de cada um, produzindo as mudanças que nos permitam nos centrar em Cristo, o único Caminho que leva a Deus.

Se ser peregrinos significa reconhecer que nossa vida é uma jornada constante em direção a Deus e aos outros, onde encontramos em cada passo a possibilidade de renovação e conversão; ser recoleto é avançar ao lado do outro, estendendo as mãos, sem exigir reconhecimento ou protagonismo.

Celebrar o Jubileu e ser peregrino da esperança deve ser, segundo o santo Papa João Paulo II, “uma experiência fundamental e fundante da condição do cristão, homo viator, homem em caminho em direção à Fonte de todo bem e à sua plenitude. Ao colocar em movimento todo o seu ser – seu corpo, seu coração e sua inteligência – o homem se descobre buscador de Deus e peregrino do eterno, desapegando-se de si mesmo para entregar-se a Deus”.

Celebrar a Recoleção e ser recoleto é uma oportunidade para tomar consciência da nossa identidade, recuperar a audácia e a radicalidade das nossas origens e construir uma comunidade fraterna que reflita o amor e a misericórdia de Deus.

Neste 436º Aniversário da nossa Recoleção Agostiniana, gostaria de relembrar alguns sinais da nossa identidade recoleta que bem poderíamos compartilhar com os peregrinos do nosso mundo, para que seus passos possam se alinhar com o ritmo da esperança.

— Não somos turistas, somos peregrinos da esperança

Alguns definiram o homem por sua capacidade de pensar, outros por sua capacidade de amar; com não menos razão, poderíamos defini-lo pela sua capacidade de buscar. “O homem não é estância, mas caminhada; não é pousada, mas caminho”, diz o teólogo espanhol Olegario Fernández de Cardenal.

A busca faz parte da natureza do homem: busca o sentido último da existência, busca a razão de ser das coisas e dos acontecimentos, busca a Deus…

Mas não busca apenas coisas sublimes e transcendentes. O homem também busca o bem-estar, o prazer, o poder, o prestígio, a fama, o domínio. De fato, em palavras do psicólogo espanhol Enrique Rojas, “vivemos em uma época em que prevalece o fugaz, o imediatismo e a idolatria do sensual, o que levou o homem a perder aspirações e caminhos que deem sentido à sua existência. A busca pela Verdade-Deus passou para um segundo plano. O resultado desse último tipo de buscas é um homem enfraquecido, superficial e carente de autenticidade, que se importa mais com as aparências do que com o que há dentro de si”.

Muitos chamados peregrinos, na verdade, não passam de meros turistas.

— Uma vida mais intensa, uma esperança mais profunda

Qual é a proposta da Recoleção para esse homem, peregrino enfraquecido, superficial e carente de autenticidade, que Francisco chama de “errante, que gira em torno de si sem chegar a lugar nenhum”, esse peregrino-turista do século XXI?

A proposta é tão antiga quanto nova: a solidão, o silêncio e a oração.

Segundo Javier Alexis Agudelo Avendaño (La búsqueda de Dios una experiencia de amor y misericórdia. Una aproximación desde San Agustín) “a solidão, o silêncio e a oração são as condições necessárias para percorrer o caminho que leva às profundezas do coração.

A solidão não representa uma fuga nem uma forma de escapar das pessoas; ao contrário, é a criação de um espaço único que permite ir ao encontro de si mesmo e, ao mesmo tempo, com Deus. A solidão implica comparecer com coragem diante do próprio mistério, que muitas vezes é difícil de aceitar. Esse mistério só pode ser acolhido com o coração.

Ao entrar no silêncio, o ser humano se abre para si mesmo e para o seu mundo interior, com suas tristezas e alegrias. Se abre para as esperanças profundamente ocultas e para as decepções, que geralmente evita conhecer.

A solidão e o silêncio permitem que o coração se expresse em sua dimensão mais profunda, criando um espaço e oferecendo um tempo para acessar uma nova dimensão. O silêncio não significa ausência de palavras, mas a capacidade de adquirir a sensibilidade necessária para ouvir a voz de Deus”.

Já mencionei em outras ocasiões que a essência da Recoleção reside na docilidade ao Espírito Santo. Essa apertura para ser guiado pelo Espírito é fundamental para nossa vida como peregrinos na fé. Da mesma forma, essa disposição nos leva a ser criativos na forma de viver nosso carisma e a responder às necessidades do próximo.

Não esqueçamos que a oração e a interioridade não nos encerram em nós mesmos; ao contrário, para os Agostinianos Recoletos, a oração passa pela contemplação de Deus no irmão. Deus, Verdade suprema, se revela especialmente no exercício do amor fraterno: Ama o irmão. Porque se amas o irmão a quem vês, nele mesmo verás também a Deus (1Jo 4, 20-21); pois verás o próprio amor, e dentro do amor habita Deus.

— Tecelões de esperança

O inconformismo que caracterizou os primeiros Recoletos é chave para entender a jornada de cada cristão como peregrino. Ser peregrinos da esperança nos desafia a nos transformarmos a nós mesmos e ao nosso entorno, assim como fizeram os frades que buscavam uma santidade perfeita e uma vida de maior dedicação a Deus.

Essa maior intensidade espiritual e comunitária que a Recoleção quis imprimir na vida conventual desejamos compartilhá-la e contagiá-la, para que neste mundo que se rende à mediocridade, vivamos uma fé vibrante, comprometida e transformadora.

O Papa Francisco, na missa de encerramento do Sínodo, chamou toda a Igreja a não ficar sentada, muda e cega, mas a ouvir o grito da humanidade: “Não uma Igreja sentada, mas uma Igreja em pé. Não uma Igreja muda, mas uma Igreja que recolhe o grito da humanidade. Não uma Igreja cega, mas uma Igreja iluminada por Cristo, que leva a luz do Evangelho aos outros. Não uma Igreja estática, mas uma Igreja missionária, que caminha com o Senhor pelos caminhos do mundo.”

Neste 436º Aniversário da Recoleção Agostiniana, gostaria também de convocar toda a Família Agostiniana Recoleta a tecer, entre todos, com fios de esperança, uma sociedade mais fraterna e justa, mais solidária e atenta aos gritos de nossos irmãos mais necessitados.

Anelemos por uma sociedade capaz de se compadecer, perdoar e olhar o próximo com misericórdia; uma sociedade que tenha como motor de vida o Deus que se fez homem e passou por este mundo semeando esperança no coração de cada homem.

Em nossa busca por uma existência mais intensa e comprometida, permitamos que nossa identidade, como peregrinos da esperança, guie cada um dos nossos passos, cada uma de nossas ações e cada um dos nossos encontros, tornando à Recoleção um farol de fé e transformação.