O agostiniano recoleto, Enrique Eguiarte (Cidade do México, 1960), neste dia de Santo Agostinho, nos apresenta como o santo viveu a esperança, essa virtude do peregrino que pediremos, promoveremos e compartilharemos durante o Ano Jubilar 2025, “Peregrinos da esperança”.
Avatares históricos
Santo Agostinho viveu em uma época repleta de mudanças e de acontecimentos que pressagiavam a queda do Império Romano do Ocidente. No ano 410, Roma, a capital do mundo, havia sido saqueada pelos godos de Alarico, e a notícia havia sacudido o mundo inteiro e chegado a todos os cantos do Império Romano como o mais sombrio dos presságios. Alguns pensaram que este acontecimento não era senão o começo do fim, o prelúdio da catástrofe final que conduziria ao fim do mundo.
Santo Agostinho, meditando sobre esses acontecimentos, convidava a olhar além dos elementos humanos e a colocar a esperança apenas em Deus. E diante das acusações dos pagãos — que culpavam os cristãos pelo saque de Roma, pois haviam abandonado o culto aos antigos deuses da religião latina —, Santo Agostinho respondeu genialmente às suas calúnias com sua obra monumental, A Cidade de Deus, que, além de ser uma profunda teologia da história, é um cântico de esperança.
Nesta obra, ele relata na primeira parte a história de Roma e dos cultos pagãos; e, na segunda parte, a partir do livro XI, narra a história da Cidade de Deus com seu nascimento, desenvolvimento e culminação no reino dos céus. Tudo isso é um convite para não se deixar surpreender pelo desespero e pelo medo, e elevar o próprio coração com esperança em Deus.
A esperança de Santo Agostinho não era apenas uma esperança teórica, ou acadêmica, como poderia ser a de um pensador que escrevesse em seu próprio gabinete em tempos de paz e cercado de sossego e tranquilidade bucólica. A esperança de Santo Agostinho era uma esperança factual e existencial, já que a desgraça e as calamidades muito cedo bateram às portas do norte da África.
Diante da decadência do Império, os vândalos tiraram vantagem e, no ano 429, guiados por Genserico, cruzaram o estreito de Gibraltar, iniciando um avanço implacável de conquista, destruição e morte por todo o norte da África.
No ano da morte de Santo Agostinho, 430, chegaram às portas das muralhas da cidade de Hipona. Santo Agostinho, ancião, cansado e doente, podia vê-los e ouvi-los de seu próprio mosteiro, no qual muito em breve teria que se recolher para terminar seus dias aos 76 anos, como nos lembra seu primeiro biógrafo, São Possídio.
Resposta esperançosa de Agostinho
Apesar de todos esses acontecimentos — que levaram muitos ao desespero e ao fatalismo —, Agostinho morreu com a esperança de que, apesar da morte da civilização e do mundo que ele conhecia, algo novo estava nascendo.
Nesse novo mundo, sua obra, seu pensamento e suas palavras teriam um lugar muito importante, sobretudo para lembrar ao ser humano que a vida do homem na terra está sempre ameaçada por muitas desgraças e calamidades, mas que nenhuma delas deve roubar sua esperança, pois a esperança do cristão tem um nome, e esse é Jesus Cristo e sua promessa de vida eterna.
Santo Agostinho convida a não deixar que nenhuma circunstância roube a esperança do fiel, que vive dela, e a mesma esperança deve mantê-lo sempre alegre no Senhor (Rm 12,12) em meio à tribulação e às calamidades, porque sabe que Deus é sempre fiel e não deixará de cumprir suas promessas.
Santo Agostinho morreu em 28 de agosto de 430, não com a angústia de quem contempla que tudo foi inútil ou que sua obra havia sido vã, mas com a esperança de saber que o cristianismo é a religião da ressurreição, que ao longo de sua história enfrentou muitas mortes, que pareciam tê-lo aniquilado totalmente, mas, como a Fênix da mitologia clássica, o cristianismo, após o fracasso e a morte aparente, ressurge, enquanto seus inimigos enfrentam inevitavelmente a morte e acabam em cinzas.
A esperança cristã
Em A Cidade de Deus, Santo Agostinho convida à esperança, lembrando que aqueles que pertencem à Cidade de Deus devem avançar a cada dia, cantando e caminhando (Sermão 256,3), entre “as perseguições do mundo e as consolações de Deus” (A Cidade de Deus 18,51,2).
Ele também lembra que a história tem um sentido e um fim, e não é outro senão chegar à Cidade de Deus, ao reino dos céus, onde a Igreja finalmente se purificará, e será para sempre o trigo puro de Deus, uma vez deixada a escória que a acompanhou neste mundo. Na Cidade de Deus “descansaremos e contemplaremos, contemplaremos e amaremos, amaremos e louvaremos” (A Cidade de Deus 22,30,5).
A esperança, como lembra Agostinho, é uma virtude que não fica olhando para trás, com o sentimento agridoce da nostalgia, mas que olha para frente e se “estende” para frente, colocando seu olhar em Deus. Assim diz o Bispo de Hipona: “O contrário da esperança é olhar para trás; quando se fala de esperança, fala-se de coisas futuras, não de coisas passadas” (Concordância dos Evangelistas 2,22).
De fato, no livro XI de suas Confissões, o santo recorda qual é o sentido cristão do tempo, e não é outro senão caminhar como peregrinos com esperança em direção à Cidade de Deus. Desta forma, ele se inspira na frase de São Paulo aos Filipenses (Fl 3,13): “deixando o que fica para trás, estendo-me para o que está adiante”.
Santo Agostinho destaca como a esperança é a virtude que deve levar o cristão a “estender-se“, ou seja, a lançar-se em direção às coisas que estão à frente, a tender em direção ao reino dos céus, deixando as realidades terrenais e correndo para as realidades celestiais. De fato, entre parênteses, essa mesma frase de São Paulo como catalisador de esperança é o que poderia sintetizar todo o pensamento de São Gregório de Nissa, expresso com a palavra grega epéktasis e que Santo Agostinho traduz nas Confissões como extensio.
A esperança, fortaleza na vida presente
A esperança dá ao fiel uma nova força para enfrentar as calamidades da vida presente, sempre com um sorriso no coração, ao saber que nada pode tirar-lhe a esperança pela firme convicção de que tudo o que se vive na vida presente não é mais que um simples episódio, pois a verdadeira vida, a Vida com maiúscula, é a que viveremos no reino dos céus:
“(…) nestes dias calamitosos, em que a Igreja conquista sua exaltação futura por meio da humildade presente, e é instruída com o aguilhão do temor, o tormento da dor, as moléstias dos trabalhos e os perigos das tentações, tendo na esperança seu único consolo” (Cidade de Deus 18,49).
Agostinho não se cansava de convidar seus fiéis —nem se cansa de nos convidar, homens e mulheres do século XXI— a elevar o coração (sursum cor: Sermão 86,1), a não o colocar nas coisas da terra, mas deixá-lo já em esperança no céu junto a Deus, onde está a nossa vida, e para onde aspiramos chegar com a ajuda da graça de Deus.
Contundo, a esperança não nos faz esquecer o mundo presente, nem a missão que temos na terra, que não é outra, senão irradiar esperança, e convidar todos os homens à salvação em Cristo.
Em um mundo enfermo de guerras, lutas, inimizades e desesperança, os cristãos devem irradiar a esperança do mundo futuro, e ajudar, a partir desta virtude, a transformar o mundo em que vivemos, para dirigir todas as coisas a Cristo.
Desta forma, se poderia realizar o que o próprio Apóstolo recorda no cântico da carta aos Efésios, fazer com que Cristo seja novamente a cabeça de tudo (Efésios 1,10), a anakephalaiosis; isto é, colocar novamente as coisas na ordem que lhes corresponde.
Atualmente vivemos uma grande crise, porque as coisas não têm Cristo como cabeça, mas sim os elementos materiais como seu princípio essencial (dinheiro, prazer, poder). É preciso, a partir da esperança, orientar tudo novamente para Cristo, para que Ele volte a ser a cabeça de tudo, e tudo se dirija a Ele como o ponto em que o universo adquire sua plenitude.
Santo Agostinho conhecia a força que a esperança tem, e que um homem sem esperança é uma sombra, é alguém que já não vive, mas apenas sobrevive, alimentando-se das migalhas dos prazeres terrenos e acalmando sua ansiedade com todos os tipos de paliativos.
A esperança é o que dá ao ser humano a força em todas as circunstâncias de sua vida e o que, em meio ao sofrimento, à morte ou à dor, faz com que ele vislumbre que sempre há um futuro melhor: “Seja tua esperança o Senhor Deus. Não espere nenhuma outra coisa d’Ele; seja o próprio Senhor a tua esperança” (Comentário ao Salmo 39,7).
Isso é o que pensava o ancião Santo Agostinho na véspera de sua morte. Ouvia de seu leito o alarido dos vândalos, o relinchar dos cavalos e o tilintar das armas, mas não perdia a paz: sabia que a esperança nos projeta além do momento presente e nos faz depositar toda a nossa confiança em Deus, o Pai misericordioso e sempre fiel, que cumprirá suas promessas. A esperança não decepciona (Romanos 5,5).