VII Romaria dos Mártires. São Félix de Araguaia, Mato Grosso, Brasil. Julho de 2022.

A cada cinco anos realiza-se a Romaria no Santuário dos Mártires da Caminhada, construído por Pedro Casaldáliga em sua Prelazia de São Félix de Araguaia (Mato Grosso, Brasil). Com o lema “Tudo pelo Reino”, uma representação da Família Agostiniana Recoleta esteve presente promovendo o testemunho da Irmã Cleusa, assassinada em Lábrea em 1985.

O Bispo Claretiano Pedro Casaldáliga (Balsareny, Barcelona, Espanha, 1928 – Batatais, São Paulo, Brasil, 2020) quis transformar um lugar de desolação, injustiça e tristeza em um santuário de oração pela paz e defesa da dignidade humana.

Ele o chamou de Santuário dos Mártires da Caminhada e foi construído no local exato onde, em 11 de outubro de 1976, o jesuíta brasileiro João Bosco Penido Burnier foi assassinado a sangue frio, por um policial, quando tentava mediar para que duas mulheres, que estavam sendo torturadas na delegacia, ficassem livres daquele sofrimento.

A cada cinco anos este Santuário recebe uma grande peregrinação em que a Igreja Católica recorda aqueles que deram a vida em defesa da dignidade humana, materializada nos direitos dos povos indígenas ou ribeirinhos, na denúncia de injustiças, na defesa de uma ecologia integral contra a ganância do capitalismo mais extremo.

De 13 a 20 de julho deste ano, realizou-se a VII edição desta Romaria dos Mártires. E desde a primeira, em 1986, está presente o nome e o exemplo de uma missionária agostiniana recoleta, Cleusa Carolina Rody Coelho, assassinada em 1985, justamente por defender os direitos dos indígenas na Prelazia de Lábrea, Amazonas, Brasil.

“Mártir da causa indígena”. Assim é homenageada e lembrada a figura de Cleusa na Romaria. Uma missionária agostiniana recoleta, Josefina Casagrande, pôde participar de seis edições da Romaria carregando o estandarte de Cleusa e divulgando seu testemunho de vida.

As celebrações duraram cinco dias. O primeiro teve como protagonista principal o Bispo Casaldáliga, que deixou um grande legado por seu compromisso com a ação prática, e também por seus escritos reflexivos e poéticos.

O segundo dia foi dedicado às vítimas da pandemia, o apoio às famílias que deixaram, o agradecimento aos profissionais de saúde e à denúncia das autoridades que decidiram não agir ou ajudar os mais desfavorecidos.

No terceiro dia fez-se memória do Padre João Bosco. A celebração foi litúrgica, espiritual e testemunhal. Uma mulher, testemunha do assassinato que deu origem ao Santuário, contou o que aconteceu naquele dia:

”Estávamos celebrando o tríduo a Nossa Senhora Aparecida. João Bosco Burnier que na época acompanhava os índios Bakairi, veio aqui junto com Pedro Casaldáliga para o tríduo. Ao passarem próximo à delegacia ouviram os gritos de duas mulheres que, naquele momento estavam sendo torturadas . Eles se aproximaram e queriam interceder por elas mas foram mal recebidos pelos policiais; a reação dos agentes foi primeiro insultá-los com palavrões e, em seguida, com uma arma, deram um golpe na cabeça de João Bosco, e um tiro. O padre caiu…

Dom Pedro e algumas pessoas tentaram socorrê-lo e, ainda em agonia, foi levado para Goiânia, mas morreu. Enquanto se esperava o socorro, eu mesma, com um lenço, secava o rosto ensanguentado do padre que estava em agonia… a massa do cérebro aparecia… Ele disse ao bispo Casaldáliga: “Pedro, terminamos nossa missão”.

Uma semana depois, na Missa de Sétimo dia, as pessoas foram espontaneamente à delegacia e a destruíram completamente, dizendo que aquele lugar só servia para prender e torturar os pobres. E realmente era mesmo.”

O quarto dia da Romaria, ao anoitecer, foi grande caminhada de quatro quilômetros portando a Cruz do Padre João, velas acesas e os estandartes dos mártires. Josefina carregava o de Cleusa. No percurso houve sete paradas indicadas por uma grande cruz, cada uma delas dedicada a uma das grandes causas de defesa dos direitos humanos hoje: mulheres, ecologia, povos originários, trabalhadores rurais, negros, diversidades sexuais, terra .

Em cada parada se fazia uma oração, um clamor, e ao longo do caminho, havia reflexões, canções, proclamava-se o nome dos mártires e eram aplaudidos. “Irmã Cleusa, presente na caminhada” foi repetido várias vezes.

O final do percurso foi junto ao Santuário dos Mártires da Caminhada, onde houve uma vigília de oração e, para encerrar a celebração, distribuiu-se bolo de mandioca para todos.

A Celebração Eucarística do domingo, no quinto dia, presidida por Adriano Ciocca, atual Bispo da Prelazia de São Félix de Araguaia, encerrou esta VII Romaria dos Mártires. Entre o povo, muitos índios Xavantes e as sobrinhas de Pedro Casaldáliga. Suas palavras foram lembradas:

“Pelo amor de Deus, não esqueçamos nossos mártires: um povo, uma Igreja que esquece seus mártires, não merece sobreviver”.