Em nosso IV Centenário #400anos #SempreEmMissão, olhamos hoje para uma experiência muito enriquecedora e especialmente próxima da visão carismática agostiniano recoleta: a das Comunidades Eclesiais de Base. Da mão do agostiniano recoleto Miguel Ángel Peralta abordamos esta forma tão específica – e bem-sucedida – de pastoral ministerial.
Inspirada nas primeiras comunidades cristãs, no início dos anos 60 a Igreja Católica começou a transformar as Paróquias, que eram muito numerosas em fiéis, ou muito extensas geograficamente, em unidades menores, pequenas comunidades de apoio mútuo, nascidas dentro do próprio bairro .
Seus membros tinham a mesma fé, se conheciam, viviam próximos uns dos outros, pertenciam à Igreja Católica e estavam acostumados a celebrar a fé juntos; tinham os mesmos problemas sociais, econômicos e de moradia. A vida e a realidade de seus vizinhos não eram estranhas para eles.
Geralmente eram famílias muito pobres, sofridas, sem recursos próprios e sem apoio das Administrações civis, esquecidas pelos grandes centros de decisão ou de investimento. Como Igreja, não havia sacerdotes suficientes para atendê-los com grande frequência, devido às distâncias, ao grande número de fiéis para poucos clérigos, ou ambas as situações. Só de ver o padre já era uma festa para eles, porque não era comum a visita do sacerdote que de ordinário acontecia uma vez por ano.
Dentro de cada comunidade existiam lideranças que, guiadas pela caridade e por seus dons pessoais para coordenar e unir vontades, se comprometiam em promover a vida espiritual de seus vizinhos e também a luta social, buscando o bem dos mais pobres e sofredores, reconhecendo a si próprios como cidadãos com direitos e liberdade: fé e vida unidas para crescer juntos.
A partir do Concílio Vaticano II (1962) e amadurecido no Documento Conclusivo da II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano de Medellín (1968), aprofundou-se mais na verdade teológica da presença de Jesus Cristo no irmão e, especialmente, nos mais necessitados .
Enquanto em muitas nações prevaleciam as ditaduras militares ou da oligarquia, que oprimiam os mais pobres e proibiam a liberdade de pensamento, a Igreja fazia o caminho oposto e tornou pública e clara sua “opção preferencial pelos pobres”.
Essa atitude da Igreja não foi pacífica, não veio de graça, pois originou uma perseguição cruel por parte dos poderosos, causando a morte-martírio de não poucos líderes cristãos, leigos, religiosos, padres e até bispos. Na Família Agostiniana -Recoleta contamos com exemplo concreto disso: a Missionária Agostiniana Recoleta Cleusa Carolina Rody Coelho, assassinada em 1985 depois de uma vida dedicada à educação das crianças, a atenção aos enfermos e a defesa dos direitos dos indígenas.
O assassinato da Irmã Cleusa aconteceu na imensa missão da Prelazia de Lábrea (Amazonas, Brasil), que tem 230.240 km2 (o equivalente à Romênia ou ao Reino Unido) e cerca de 98.000 habitantes espalhados nas margens dos rios. Os Agostinianos Recoletos estão aqui desde 1925.
Nesta selva em que nos encontramos, não há outra comunicação possível que a do barco, menor em tamanho, quanto mais longe estiver o local que se pretende visitar. Grandes barcos podem navegar no grande rio, espinha dorsal, o Purus, mas para chegar a muitas pessoas, é preciso ir até em pequenas canoas por esses infinitos afluentes, com cursos d’água que só existem durante metade do ano, isto é, na época das chuvas.
As comunicações, portanto, não são fáceis nem baratas, e por isso a presença do padre era possível uma vez por ano, na chamada desobriga, palavra que significa algo como cumprir ou ficar livre de obrigações.
O sacerdote administrava os sacramentos (batismo, confissão, primeira eucaristia, confirmação, casamento, unção dos enfermos) e se reunia com a comunidade. Tudo durava menos de um dia inteiro, menos de 24 horas. E no dia seguinte, logo após o nascer do sol, despedia-se até o ano que vem, e seguia nevegando até a seguinte comunidade.
Nos anos setenta a Igreja modula e aprende com as experiências de pequenas comunidades, para construir um método evangelizador, baseado nelas, mais programático e voltado para as necessidades particulares das pessoas que as constituem.
Criam-se assim as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), apoiadas por sua vez pelos Ministros da Palavra e pelos Ministros da Eucaristia. Quanto ao fato religioso e espiritual, as Paróquias são descentralizadas e a sede central deixa de ser o único espaço de experiência litúrgica; no que se refere ao fato social, as formas de autogestão , a eleição de dirigentes, a formação em direitos, a relação com o poder civil são reformuladas a partir da sabedoria popular: a união faz a força.
As CEBs se espalharam pelos rios nas matas, pelos bairros recônditos das grandes cidades, pelas zonas rurais de toda a América: onde quer que houvesse um grupo de fé, se criava e se fortalecia uma comunidade no estilo dos primeiros cristãos.
Em nossa missão no Amazonas, as dezenas de povoados que surgiram dos antigos seringais, já quase desocupados devido a empreendimentos econômicos, cujos trabalhdores ali haviam sido abandonados à sua sorte, localizadas às margens dos cursos dos rios, foram se se transformando em CEBs. com um enorme esforço dos missionários recoletos, que apresentaram um a um, esta nova forma de ser Igreja local.
Cada CEB escolhia um coordenador que presidia a celebração da Palavra em uma casa, com condições suficientes para acolher a todos, ou na rua, ou, com o tempo e entre todos, construiam uma humilde capela como espaço sagrado onde pudessem se reunir e celebrar.
Nas CEBs urbanas as possibilidades eram grandes: durante o mês, o sacerdote podia celebrar a Eucaristia de vez em quando. Na sua ausência, o Ministro da Palavra presidia a celebração e o Ministro da Eucaristia distribuia a Comunhão, que era guardada no Sacrário.
Também foram implementadas as diversas pastorais que acompanham a vida humana desde o nascimento até a vida adulta: Pastoral da Criança, do Batismo, da Catequese, da Juventude,da Família, Indgenista, do Agricultor, dos Enfermos , da pessoa Idosa, etc. Ninguém ficava sem ser atendido de uma maneira específica dentro da comunidade, por pequena que fosse ou estivesse distante .
Os coordenadores dessas pastorais e movimentos em cada CEB, faziam parte do Conselho Pastoral Paroquial; tinham a missão defortalecer toda a Paróquia, que assim se tornasse uma comunidade de comunidades. Juntos refletem, recolhem o pensamento da comunidade e o transmitem aos outros para que seja decidido em comunidade, acompanhados pelos missionários.
As CEBs se articulam também para apresentar às autoridades suas exigencias e direitos; para controlar o poder público a partir da corresponsabilidade dos Cidadãos, porque a dignidade da pessoa é também uma tarefa eclesial. Alertam para que tenha professor, recebem seu salário e consertem a escola, que os doentes sejam transportados com recursos públicos, que haja pelo menos algumas horas por dia de energia elétrica e a Câmara Municipal mande o combustível; que se façam os poços artesianos, que os políticos não pensem que visitar a comunidade somente em tempo de propaganda leitoral, etc.
No meio rural amazônico, hoje os povos indígenas convivem com os não indígenas, descendentes dos emigrantes que chegaram nas duas épocas da exploração massiva da borracha. Por dezenas de anos eles estiveram em conflitos, de certa forma muito violentos. Hoje, muito menos, em ambos os lados, se entendem porque são o último “resto” na defesa da floresta amazônica, frente as grandes empresas, madeireiras, pesqueiras e agrícolas.
A preocupação com o bem comum, o cuidado com a saúde, a exigência para ter meios e educação que se tem nas áreas nas áreas urbanas, e outras preocupações sociais, fazem parte do trabalho de uma CEB.
A maioria dos habitantes adultos da selva não teve acesso a nenhuma educação formal e é analfabeta. Hoje esse problema está um pouco mais resolvido e geralmente existem escolas primárias ou indígenas, embora o analfabetismo funcional seja generalizado.
Nas décadas de 70, 80 e 90 do século passado, um dos principais motivos para a escolha do coordenador comunitário era que ele soubesse ler. Eles foram os verdadeiros evangelizadores de suas comunidades, com a leitura da Palavra e os materiais didáticos que lhes foram dados, para serem transmitidos a outras pessoas.
Os emigrantes nordestinos também conservaram as devoções religiosas de seus lugares de origem: a importância da padroeira, as procissões, as promessas, a intensa religiosidade popular são e celebradas com grande entusiasmo em suas comunidades.
Com o tempo, os próprios missionários também promoveram a criação de Associações, seja de caráter profissional (pescadores, seringueiros, agricultores) ou da própria CEB, que adquire reconhecimento civil e personalidade jurídica, o que facilita alcançar, como objetivo final, uma vida humana, mais digna e mais feliz.
A Paróquia Nossa Senhora de Nazaret de Lábrea (Amazonas, Brasil), de onde lhes escrevo, tem 57 CEBs na zona rural e 13 no centro urbano, sede do município e da Paróquia.









