Chegou na China aos 24 anos, sem entender o idioma ou conhecer a cultura local. Com seu caráter afável, sua humildade e profunda vida espiritual, Frei Mariano Gazpio ganhou a confiança e o carinho do povo; entrou nesses corações a tal ponto que muitos decidiram se juntar à comunidade eclesial e participar ativamente da evangelização.
Mariano Gazpio Ezcurra nasceu em Puente la Reina (Navarra, Espanha) em 18 de dezembro de 1899. Desde tenra idade, demonstrou seu desejo de ser religioso agostiniano recoleto. Por esse motivo, ainda adolescente, ele pediu para entrar no noviciado de Monteagudo (Navarra) e, aos 16 anos, professou como membro dessa família religiosa, em uma idade que hoje consideraríamos cedo, mas comum na época.
Estudou em Monteagudo, em San Millán de la Cogolla (La Rioja), em Marcilla (Navarra) e Manila (Filipinas), onde foi ordenado ao fim de 1922. Depois de um ano de serviço pastoral em Cavite City, a 30 quilômetros ao sul de Manila, ele se ofereceu para a primeira expedição missionária agostiniana recoleta à China, composta por cinco jovens voluntários religiosos.
Uma missão na China foi o sonho da Recoleção Agostiniana durante séculos. No momento em que Mariano e seus quatro companheiros cumpriram o desejo coletivo quando saíram de Manila (Filipinas) em 11 de março de 1924 e chegaram no dia 04 de abril até a Missão de Shangqiu (naquele tempo chamada Kweiteh), na província de Henan, a 680 km ao sul de Pequim.
A missão alcançou em um curto espaço de tempo um grande desenvolvimento: a partir do zero, em um par de décadas já havia passado por ela um bom número de missionárias e missionários; igrejas e infraestruturas residenciais, educacionais e sociais haviam sido construídas; um orfanato, um seminário e uma escola para agentes pastorais estavam operando em plena atividade; até mesmo uma revista missionária foi fundada e uma nova Congregação religiosa feminina: não faltavam vocações locais para homens e mulheres, religiosas e sacerdotes.
Mas a História nunca esteve a favor da Missão: tiveram que superar guerras e múltiplas violências, resistindo a ocupações e atentados, tiveram que lidar com bandidos e com os militares, tiveram também que aceitar proibições e confinamentos. Finalmente, a Guerra da Coreia de 1950 foi a desculpa final para o governo chinês implementar uma abrangente, sistemática e contínua pressão sobre a toda a população dos chineses e estrangeiros.
Os cidadãos são forçados a aceitar postulados antiocidentais e aderir-se ao comunismo político e econômico através de duas grandes campanhas: os “três-anti” de 1951 [anticorrupção política, antiburocracia, anti-desperdício de bens do Estado] e os “cinco-anti” de 1952 [anti-suborno, ati-sonegação de impostos, anti-roubo de propriedade do Estado, anticorrupção na construção, anti-espionagem]; enquanto os estrangeiros são acusados em geral de espionagem, sem se importarem com provas ou atividades que corroborem a acusação, e são tratados como inimigos.
Como resultado para a Missão, os religiosos agostinianos recoletos chineses terminam em sua maioria em programas de “reeducação”, em campos de concentração ou em trabalhos forçados, o resultado fatal é a morte por inanição e exaustão em alguns casos; e os religiosos agostinianos recoletos espanhóis, como frei Mariano, são expulsos da China, sem exceção.
Quando já se encontrava na Espanha, a província de São Nicolau de Tolentino reconhece o valor e o caráter de Mariano nomeando-o por nove anos mestre de noviços no convento noviciado de Monteagudo, Navarra (1952-1955 e 1958-1964) e entre essas datas, durante três anos como prior (1955-1958).
Nos 25 anos seguintes e últimos de sua vida, ele viveu em Marcilla, Navarra, uma comunidade destinada ao último estágio da formação inicial dos religiosos, onde os professos, depois do noviciado, se preparavam para a profissão solene e definitiva; aqueles com vocação sacerdotal que realizavam além do mais os estudos filosóficos e teológicos para o ministério.
Várias gerações de religiosos agostinianos recoletos conheceram Mariano Gazpio e muitos deles o tinha como confessor e diretor espiritual; foi amplamente reconhecido pelos membros da comunidade e os fiéis das cidades vizinhas como exemplo vivo de piedade, humildade e serviço.
Ele morreu em 22 de setembro de 1989 no Hospital de Navarra, em Pamplona como resultado de uma hemorragia cerebral. Com grande fama de bondade e santidade, sua memória nunca foi apagada; entre 2000 e 2004, foi dado o início do processo diocesano de sua beatificação, validado pela Santa Sé em 2006 e que continua em andamento até hoje. Já foi declarado Venerável pela Igreja, agora estamos aguardando milagres por meio de sua intercessão que o permita ser declarado Beato e santo.
Em 2014 seus restos mortais foram transferidos para o cemitério de Marcilla, onde repousam desde a sua morte, na igreja conventual do Santuário de Nossa Senhora a Branca. Foi realizado um exame forense e foram autenticados os restos mortais, passo necessário na continuação do processo de canonização; o frei Mariano está agora mais próximo dos fiéis e da comunidade religiosa e recebe a devoção particular daqueles que veem sua vida como um exemplo de humanidade e de seguimento de Cristo.
Com relação a esse processo, mais de 400 páginas foram reunidas com declarações de 58 testemunhas sobre o modo de ser e agir do frei Mariano. Além do mais foram preservadas uma série de homilias, conferências e cartas missionárias que ele escreveu, grande fonte de valor para sua biografia e para esta reportagem.
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ÍNDICE
- Introdução
- 1. Frei Mariano à primeira vista
- 2. Missionário em um mundo em chamas
- 3. Missionário de profunda fé e vida espiritual
- 4. Missionário em comunidade de irmãos
- 5. Missionário das pessoas e para as pessoas
- 6. Guia e servidor de seus irmãos (1941-1952)
- 7. Fim da sua etapa missionária: com o olhar da fé