Resumo histórico, situação atual e depoimentos pessoais de religiosos que trabalharam lado a lado à comunidade e construíram parte de sua história pessoal ao serviço do povo de Tapauá, Amazonas, Brasil, Paróquia de Santa Rita de Cássia.
A organização pastoral da Paróquia de Santa Rita foi modificando suas prioridades segundo as mudanças sociais e a identificação dos principais problemas e dificuldades. A definição destas prioridades permite, por sua vez, conhecer a sociedade circundante e aquilo que a Igreja tem considerado mais necessário lutar, formar, atuar e proteger.
Muitas destas prioridades são similares ao resto da Prelazia e se apontaram como comuns para todas as paróquias. Definiram-se em Assembleias, e isto permitia o esquema de matérias, a organização de ações conjuntas e um melhor aproveitamento dos recursos.
Até finais dos anos setenta do século passado, as paróquias definiam seus programas de um modo individualizado. A própria falta de religiosos impedia trabalhos pastorais muito definidos, fora do que de por si implica uma paróquia em seu dia a dia: celebrações, catequeses, sacramentos, visitas às comunidades rurais e, em muitos casos, responsabilidades educativas ou sanitárias.
Em 1979 pela vez primeira se pensa na realização de uma Assembleia Geral precedida de Assembleias Paroquiais. Mas, a ideia fica sem concretizar-se. Finalmente, em dezembro de 1983 se celebra a primeira Assembleia Geral. Desde então, e conjuntamente com a Prelazia, as prioridades de Tapauá serão as seguintes, segundo as distintas Assembleias Gerais celebradas no ano indicado na primeira coluna:
A. Até a última década do século XX
Até 1991 houve uma atenção muito especial às Comunidades de Base, à Pastoral Indigenista, à Pastoral da Terra e aos movimentos populares. Isto resultou em:
- Aumento significativo de presença na zona rural com equipes itinerantes de trabalho que formaram comunidades de base nos seringais mais importantes do Purus. Somente as pequenas comunidades mais isoladas, ou aquelas que procediam de uma cultura protestante, ficaram de lado. Também aumentou o número de capelas ou edifícios que serviam de escola, centro social e capela para a comunidade.
- A maior parte das etnias indígenas conseguiu iniciar e, com o tempo, completar as delimitações de suas terras. As denúncias do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e as visitas frequentes, propiciaram um reconhecimento efetivo dos direitos e da cultura indígena. Algumas destas relações, especialmente as do Tapauá e Cunhuã, apesar de estar em território de Tapauá, foram coordenadas desde a equipe de Pastoral Indigenista de Lábrea. Somente houve tensões significativas na hora de delimitar a aldeia Apurinã de São João, com a sede do município. A população temia um recorte nas possibilidades de expansão da cidade. Somente uma comunidade não indígena, Enseada, teve que desaparecer para não ocupar terras pertencentes aos índios, no ano de 2014.
- O enfrentamento e inclusive a violência entre indígenas e não indígenas na zona rural deixou de existir. A Igreja Católica colaborou para que vissem e entendessem que tinham muito em comum. Eram vítimas da apropriação de terras por parte dos patrões e empresas, de barcos de pesca intensiva nos lagos e igarapés, do esquecimento das autoridades e da falta de serviços de saúde e educação. A Igreja os ajudou a unir forças e serem salvaguardas da selva com um uso racional não explorador. Onde existe uma comunidade de indígenas ou de ribeirinhos, não há nem desmatamento nem perda de riqueza biológica.
- Mesmo que a Prelazia tenha conseguido importantes avanços em matéria de movimentos sociais, especialmente em Lábrea e Pauini, em Tapauá nunca houve uma rede associativa importante de sindicatos e cooperativas. Um exemplo é a tentativa continuada de fazer um sindicato de lavadeiras: não queriam se associar por medo a perder clientes que contratariam às que não estivessem associadas.
B. O amanhecer do século XXI
As Assembleias de 1991 e 1995 continuaram com os compromissos alcançados nas anteriores, mas uma vez que o trabalho na zona rural contou com um planejamento continuado e as equipes de trabalho bem formadas, outras necessidades surgem na Igreja. As mais concretas foram a família, a juventude e a infância. Os anos 90 foram de grande esforço por levantar uma estrutura que salvou as vidas de muitas mães e bebês, assim como pelo encontro com a adolescência. O desejo de uma atenção mais concreta à família foi entrando lentamente.
— Adolescência e juventude
A pouco tempo de chegar a Tapauá, em 1964, os Agostinianos Recoletos criaram o movimento de Pequenas Cruzadas com meninas, depois de sua primeira comunhão. Dezenas delas guardam com carinho a pequena fita que as identificava. Foi o primeiro trabalho com a infância e juventude realizado desde um critério evolutivo.
Em 1965, os religiosos relatam um dos grandes problemas da sociedade de Tapauá que perdura até hoje: a difícil passagem da infância para a adolescência, em que muitos tomam decisões que depois terão consequências graves, durante toda sua vida por falta de referentes sociais positivos. Passados os fervores da primeira comunhão e com a puberdade, os adolescentes “são vítimas da consequência funesta dessa idade e se afastam da companhia dos amigos de ontem; (…) se faz necessário criar para esses meninos outro ambiente que os tire do meio infantil e os coloque em clima em que se sintam bem”.
Um dos primeiros parques infantis de Tapauá foi financiado pela Prefeitura e construído pelos religiosos, concretamente por Enéas Berilli. É um dos poucos espaços públicos de jogo e diversão, junto com os poliesportivos dos colégios construídos com fundos públicos a partir de 1970. Em 1973 se consegue, através da Legião Brasileira de Assistência, algumas máquinas de costura, fornos, um motor para moer mandioca, assim como material esportivo. É uma primeira tentativa de articular um trabalho de formação Profissional com jovens. Mas durante mais de 30 anos, desde a fundação da cidade, os adolescentes e jovens estiveram sem espaços próprios. Nos anos 90 a preocupação da Igreja se materializará em novos grupos e serviços a crianças e adolescentes que hoje perduram.
A Infância Missionária: mesmo que se supõe que atendem às crianças, os assessores são adolescentes e jovens que assumem uma responsabilidade importante e evangelizam as crianças por meio de atividades infantis, jogos, oficinas. Os assessores, por sua vez, recebem formação e, além de ocupar seu tempo livre com os menores, apóiam-se solidariamente entre eles.
A Pastoral da Juventude: nos anos 90 se desenvolveu o grupo de Pastoral da Juventude. Atividades específicas, mistura de lazer sadio e de educação em valores, promoção da cultura e das aptidões pessoais como a música e, nos últimos anos, retiros especiais durante os Carnavais na casa de exercícios Cassiciaco do Lago Jacinto… Tudo isso lhes oferece um âmbito de crescimento desde a alegria e a participação.
O Centro Esperança: em 1998 chegou a Tapauá uma ideia que a partir de 1994, se colocou em prática, com êxito em Lábrea. O planejamento surge porque os adolescentes e jovens dos 12 aos 18 anos tem uma jornada escolar de apenas cinco horas, e as dezenove restantes do dia estão sozinhos, sem referencia de adultos, sem espaços apropriados e numa zona crucial para o tráfico de drogas. O Purus é uma das vias entre Bolívia, Peru e Brasil com menor vigilância.
A mistura destes ingredientes se traduzia em delinquência, dependências químicas, gravidez de adolescentes, enfermidades de transmissão sexual, abuso e exploração sexual comercial, trabalho infantil e escravo, abandono escolar. Ante isto, a Igreja, não poderia ficar acomodada.
O Centro Esperança oferece alternativas de aprendizagem semi profissional, merenda e atividades lúdicas. É uma atividade pastoral não proselitista, aberta a qualquer jovem e adolescente, seja qual seja sua religião. Nasceu nas salas de catequese anexas a Igreja Matriz. Mas a partir de 2005 funciona em instalações próprias. Graças a diversos projetos sociais e ao financiamento conseguido pela Família Agostiniana recoleta, nos colégios dos Agostinianos Recoletos em Espanha, familiares dos religiosos, e as ONGs agostinianas recoletas Haren Alde e A Esperança, se conseguiu levantar um complexo com salas, cozinha, refeitório, espaço verde e poliesportivo. Também se pretendeu uma descentralização de estruturas dentro da cidade de Tapauá, pelo qual se estabeleceu no bairro do Açaí, um dos mais populosos e de menor renda per capita do município, no entorno da comunidade de base Santo Agostinho.
Os alunos do Centro Esperança devem estar matriculados na escola. Nos dois turnos, de manhã e de tarde, o Centro oferece oficinas diversas a quase 150 menores de ambos os sexos. Dada a configuração da sociedade local, muitos deles não são católicos. Aprendem corte e confecção, música (teclado e violão), informática, reforço escolar, e se organizam esportes e atividades de tempo livre.
O Centro adquiriu o reconhecimento e o carinho da população. Sob esta premissa e ao ver que era uma obra mais que necessária em Tapauá, se conseguiu negociar com as autoridades locais apoio, em forma de pessoal; professores; coordenador; monitores em diversas épocas, tem estado, alguns deles como funcionários da Prefeitura. Para o material necessário nas oficinas e para algumas obras, a partir de 2001, se tem contado com o Governo do Estado de Amazonas
Em 2009 se regularizou todos os monitores e professores como trabalhadores inscritos na Previdência Social com carteira de trabalho. O custo econômico era importante, porém assim deixavam de ser “voluntários” e as exigências pelo contrato trabalhista permitia normalizar oferta de oficinas e cursos. Se um voluntário falha, o problema é de difícil solução; mas um contratado tem obrigações importantes de horário, ser mais bem preparado e dar atenção esmerada. Talvez se perdesse parte da filosofia inicial do Centro, mas se ganhava em organização e em oferecer às crianças e adolescentes o que realmente se lhes promete: una formação, lazer e crescimento sadio.
— Gestantes e primeiros anos de vida
A Pastoral da Criança chegou à Prelazia de Lábrea em 1993. Atende gestantes e mães que tem dado a luz recentemente, assim com seus filhos de zero a cinco anos. Um religioso participou de um curso em Manaus para sua implantação na Prelazia. Dois anos depois, em 1995, já existiam cinco grupos de Pastoral de Criança na cidade de Tapauá, além de mais dois em comunidades rurais. Organiza-se com uma metodologia comum, usada em todo o país. É eficiente, salva centenas de vidas; também é simples e fácil de implantar.
Os voluntários formados, tem uma ficha personalizada de cada criança, onde se acompanha seu estado de saúde e mensalmente se controla o peso. Com a prevenção como principal arma, ensina às mães a controlar o crescimento das crianças e preparar alimentos existentes na localidade, baratos, mais ricos em nutrientes. Em Tapauá seu trabalho se tem estendido a toda a zona rural.
— A Família
As Assembleias de 1991, 1995, 1998 e 2000 se referiram expressamente a uma das maiores dificuldades sociais de Tapauá: a família. A imensa maioria dos habitantes não indígenas chegou aqui pela exploração da borracha; eram quase exclusivamente homens; muitos analfabetos, num ambiente sumamente hostil e de pobreza.
Isso configurou uma sociedade machista onde as mulheres não tinham possibilidade de progresso. As relações humanas eram ocasionais e baseadas em necessidades primárias, mais do que afetivas e baseadas em projetos futuro. A família era uma entidade desestruturada, com abundância de mães solteiras abandonadas e com uma cultura da exploração da mulher no lar.
O alcoolismo e as dependências tem sido uma tradicional “saída” para uma vida sem sentido nem projeto de futuro. A mulher tem sido instrumentalizada e relegada à tarefa do lar e o cuidado das crianças. A porcentagem do abuso intrafamiliar era e é maior quanto menor é a comunidade isolada onde se mora. O abandono do lar e a pouca vontade de assumir as responsabilidades educativas e de cidadania dos filhos tem sido comuns ao homem.
O papel da mulher na sociedade ocidental, e mesmo na Igreja, tem variado com o tempo, assim como a compreensão de suas necessidades específicas. É relativamente recente considerar o aspecto íntegro da mulher e de suas possibilidades, como agente de transformação social, assim como de suas liberdades e direitos específicos. Num lugar como Tapauá, dadas as condições, ainda se está num estágio em que muito tem que avançar.
A Pastoral Familiar tem sido por isso uma prioridade desde os anos 90. As tentativas tem sido diversas e não sempre com o fruto desejado, pelo qual esta pastoral está numa situação muito atrasada em relação à Lábrea ou Canutama, que também iniciaram esta tarefa.
Quatro dados motivaram para que a Família fosse um dos centros de ação pastoral em Tapauá a partir de 1994. A Campanha da Fraternidade apostou pelo assunto com o lema “E a família, como vai?”; Pela primeira vez se refletiu, de uma forma aberta, sobre a situação da Família em todos os grupos pastorais. Os outros três dados foram de grande repercussão social: uma jovem que ficou entre a vida e a morte durante semanas devido a um aborto clandestino; o programa de esterilização gratuita a mulheres que se utilizou como um atrativo de campanha política; por último, esse foi um ano em que aconteceram menos casamentos sacramentais e houve uma forte diminuição de batizados.
Hoje em dia colabora nesta tarefa o movimento dos Encontros de Casais com Cristo (ECC). Em 2004 se fez o primeiro ECC em Tapauá com 30 casais participantes. É um movimento espiritual e social. Espiritual, porque as famílias refletem juntas sobre a Palavra de Deus, rezam, e se formam sobre o que é e o que se espera de um casal cristão. Social, porque a solidariedade é um dos eixos transversais da família como célula social, e por isso tem sido os encarregados, por exemplo, de organizar as campanhas solidárias do Natal e de promover uma solidariedade real e efetiva que dê testemunho de como atua uma família cristã.
Na penúltima Assembleia Geral da Prelazia, 2013, a Pastoral Familiar voltou a aparecer como prioridade principal na agenda pastoral. A família segue sendo uma das preocupações mais importantes, até porque o trabalho é árduo, os resultados não são os esperados num ambiente que ainda não é consciente de sua importância como núcleo social primário.
— Outros aspectos de importância especial nos anos 90
A Assembleia Geral de 1998 assumiu uma prioridade que não parece da lógica das Assembleias anteriores, já que se centrou em alguns pontos mais gerais de caráter nacional, assinalados em Diretrizes Gerais de Ação Pastoral da Igreja no Brasil.
A Pastoral do Dízimo tem sido uma das maneiras que tem encontrado a Igreja do Brasil para sua manutenção. Trata-se de que as famílias colaborem economicamente com sua Igreja, para levar adiante todos seus serviços e tarefas pastorais. Para isso, se pede que, em torno à uma décima parte dos ingressos totais, seja destinado a financiar a vida eclesial, a partir das celebrações litúrgicas, da catequese ou ações de solidariedade.
As grandes obras de infraestrutura empreendidas pela Paróquia de Santa Rita têm sido financiadas em geral, desde o exterior, graças à solidariedade da Família Agostiniana Recoleta.
A respeito do funcionamento normal, o reforço da atenção à zona rural tem exigido também um elevado orçamento, que em muitos casos se tem financiado mediante projetos de cooperação exterior. Os outros gastos se financiam com 30% do exterior, 70%, com recursos do lugar, mediante o dízimo, e pelas festas anuais de Santa Rita. Em 1976 pela primeira vez se celebraram, estas festas em seu esquema atual, sob a direção de Miguel Angel González, agostiniano recoleto espanhol: grande procissão, novena anterior e eventos sociais e religiosos, para honrar a padroeira local. Participam da festa quase todos os habitantes, sejam ou não católicos. Durante a novena, cada noite tem um espetáculo promovido pela paróquia e pelos grupos pastorais, que trabalham duro, para oferecer comidas típicas, interpretar atuações musicais, teatrais ou de dança, e assim consegue financiamento para todo o ano.
Reportagem da televisão estatal de Amazonas sobre as festas de Santa Rita de Tapauá.
A Pastoral da Comunicação se tem centrado na tarefa da Radio Comunitária Educativa de Tapauá. A rádio é um meio público preferente, menos dispendioso de produzir, que outros, e chega facilmente às comunidades rurais: uma rádio funciona com uma simples pilha e acompanha com frequência a vida de solidão dessas comunidades. Nos finais dos anos 90 se implanta a Rádio Comunitária com emissão de música e avisos às comunidades rurais onde não existe telefone, nem serviços e correios, nem outra comunicação, a não ser as mensagens enviadas nos barcos.
A rádio tem passado por muitas dificuldades e tem contado com o apoio da Paróquia de Santa Mônica de Saragoça (Espanha), sensível com esta necessidade. Passou por um custoso processo de legalização, de equipamentos especiais que não se pode conseguir no Amazonas, e também foi ameaçada por alguns fenômenos meteorológicos, como os raios que obrigaram a gastar muito e reparações.
Em 2005 é trasladada a seu novo estúdio, na mesma praça Matriz. O que começou com uns poucos voluntários pondo música, foi abrindo-se à informação local e a programas pastorais específicos. Hoje se segue buscando um serviço de mais qualidade, mais profissional, e mais pastoral, para o bem de toda a sociedade.
C. No século XXI: a evangelização da política e a presença social
No ano 2007 a X Assembleia Geral tratou um espinhoso tema que não podia mais ser adiado: a evangelização da política e a confirmação de uma Igreja, voz dos pobres e denúncia profética do abuso do poder. Um trabalho metódico, especializado e causa segura de tensões. A proposta se centrava na denúncia da corrupção; a formação da cidadania; e o desenvolvimento sustentável. Em nenhum dos três campos iria ser caminho de rosas.
Se usa um buscador de notícias para saber o que se fala de Tapauá, o leitor encontrará com uma porcentagem altíssima de notícias sobre corrupção, violência política, mau uso dos fundos públicos. Mais ainda, numa busca de imagens, a primeira que aparece é a casa do prefeito de Tapauá em chamas depois de que manifestantes lhe atearam fogo, em novembro de 2013.
A casa do prefeito de Tapauá, incendiada por manifestantes.
Esta tensão tem acompanhado Tapauá desde os primeiros tempos. E os religiosos não tem estado isentos desta violência. Uma das características dos Agostinianos Recoletos em Tapauá na sua chegada foi, de fato, sua intervenção política. Obedeciam mais a impulsos pessoais que alguma instrução da Prelazia; talvez uma vocação pessoal de Victório Henrique Cestaro. Este apoiou diretamente a candidatos em eleições e na volta de suas viagens encontrava os “efeitos secundários” da ação política: fofocas, ameaças, tensão com os “adversários”…
Na campanha de 1963, uma das anedotas a protagonizou o religioso Saturnino Fernández, quem durante um dos matinês, mostrou desacordo com o candidato que discursava, pondo-se um sapato sobre as pernas, imitando o gesto de Nikita Jrushchov na ONU.
Desde seus primeiros informes, os religiosos falam da corrupção política: “Também se comentava entre os bastidores que o pecúlio e os interesses econômicos pessoais prejudicavam o tesouro público”. Até nossos dias, Tapauá tem sido um dos municípios mais castigados por problemas de corrupção, violência política mais ou menos contida, eleições com resultados incertos… E os religiosos tem sido, com frequência, vozes de denúncia.
Em 1964, e depois de que ganhasse o candidato que haviam apoiado, os dos agostinianos recoletos em Tapauá receberam encargos políticos no Órgão Municipal de Ensino de Primário (OMEP): Nowacki foi nomeado diretor e Cestaro secretário. Após sete meses, ambos se demitiram, decepcionados por não poder cumprir nenhum dos planos que acreditavam necessários.
Mais interessante foi a situação nas eleições de novembro de 1968, nas quais um dos religiosos, Enéas Berilli, foi candidato a prefeito, sem fazer campanha, e desde o princípio dado por vencedora a outra candidatura. O novo governo, adversário da candidatura dos religiosos, nomeou a Cestaro encarregado do Serviço Municipal de Estradas. Renunciou em 1970, coincidindo com sua saída definitiva da comunidade. Deixou a vida religiosa e se dedicou à política e a advocacia; foi eleito vereador em Manaus entre 1977 e 1982.
Durante os anos 70, 80 e 90 a ação pastoral cotidiana levava com frequência as queixas dos religiosos sobre a falta de ação das autoridades públicas na zona rural, assim como o estado da atenção sanitária ou da educação. Algum religioso fez denúncias, mais concretamente sobre a forma de tratar os indígenas. Mas em geral, foram anos de calma.
O século XXI tem trazido um expressivo agravamento da situação. Em 2010 os informes dos religiosos descrevem assim a situação política:
“Em outubro de 2008 se celebraram as eleições municipais. Antes de tomar posse, o candidato ganhador foi preso porque tinha diversas acusações da justiça. O segundo candidato assumiu a prefeitura, mas pouco depois teve que esconder-se no mato com o anterior prefeito, que o apoiou na campanha, porque foi dada uma ordem de detenção contra os dois. O terceiro candidato esteve somente algumas horas. Já no final de 2009, tomou posse como prefeito o presidente dos vereadores; depois foi prefeito o vice-prefeito do que tinha fugido para o mato; seguidamente o que se escondeu no mato tomou posse da prefeitura e agora, nestes momentos, o prefeito é, de novo, o presidente dos vereadores. Amanhã ninguém sabe… Quem sofre é o povo porque quase tudo está parado”.
Em 2013, as coisas não têm melhorado muito: “Fúria em Tapauá. Esse foi o título do jornal amazonense Em Tempo, de 16 de novembro. Refletia o que tinha acontecido o dia anterior. Famílias e funcionários municipais se sentem humilhados pela administração local: meses de salários atrasados, promessas não cumpridas, comentários irritantes… Fizeram algumas pessoas invadir a Prefeitura, destruindo computadores, documentação e parte da infraestrutura. Depois foram à casa do prefeito, que dificilmente é visto na cidade e estava em Manaus, e atearam fogo à casa, destruindo-a totalmente! A partir de agora, o povo espera respeito e melhorias, mesmo que haja desentendimentos na convivência e nas consequências dos métodos destrutivos utilizados. Nestes momentos Tapauá está na expetativa”.
Em 2015 os funcionários locais levam quatro meses sem receber e há um enfrentamento e inimizades entre o prefeito e o juiz. O legislativo não tem procedido a pedir o fim do mandato de prefeito porque, segundo se diz na rua, oito dos doze vereadores com capacidade de voto tem recebido 50.000 reais (o salário mínimo é de 788) para impedir essa obrigada destituição.
Desde aquela décima Assembleia, a Igreja trabalha na sensibilização e formação sobre direitos e cidadania, ajudando a exercer a pressão sobre as autoridades. Um dos êxitos mais notórios tem sido a proteção da população autóctone de Abufarí. Uma lei federal preservava esta reserva biológica frente aos depredadores estranhos, mas também a população local (2.000 pessoas) ficava condenada à inanição, pela proibição de pescar, plantar ou caçar. Conseguiu-se que um senador da República visitasse Tapauá e mudasse para reserva extrativista e assim garantir a subsistência da população local e a convertesse em guardiã da riqueza ecológica frente às agressões externas.
Na sede do município, os religiosos têm tentado estabelecer a paz, colaborar para que a violência não seja a maneira de exercer a política. Incansavelmente, durante décadas, trabalham para que o povo aprenda a castigar o mau governante nas urnas, e para que erradique seu mau costume de vender-se facilmente a troco de presentes ou promessas dos candidatos.
D. Outras importantes ações pastorais
Campanha da Fraternidade. Desde 1962, a Igreja do Brasil faz, a cada quaresma uma “Campanha da Fraternidade” sobre assuntos sociais, nos quais se trabalha na área formativa, espiritual e com compromissos concretos. Algumas tem tido especial incidência em Tapauá, por tocar temas próximos às necessidades reais do povo. Destacamos as dedicadas à Família (1977 e 1994), aos Menores e a Educação (1982, 1987, 1992, 1998, 2013), à defesa dos direitos da Terra e a Ecologia (1986, 2007, 2015), a grupos humanos como a Mulher (1990), Indígenas (2002), idosos (2003), vítimas do Tráfico de Pessoas (2014), à promoção da Paz e da Dignidade (1996, 2000, 2005, 2009) ou à Saúde e defesa da Vida (2001, 2008, 2012).
Semana Missionária. Durante os últimos nove anos, Tapauá tem saído de si mesma e foi ao encontro solidário do irmão. Compreende que é uma Igreja pobre, e por isso mesmo quer compartilhar, durante um fim de semana por ano, sua oração e seus bens com outros necessitados. A sociedade local é agora mais sensível para com quem é ainda mais pobre que eles. Tem lembrado aos missionários de outros lugares empobrecidos compartilhado seus bens de uma maneira muito significativa. A Feira Missionária de Tapauá já é tradicional e tem colaborado com projetos sociais católicos, em lugares como Haiti, Marrocos ou Serra Leoa..
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ÍNDICE
- Introdução: Tapauá: 50 anos construindo Igreja e Sociedade
- 1. Um mundo de dimensões exorbitantes
- 2. Um hábitat difícil para o ser humano
- 3. Nasce a Paróquia de Santa Rita
- 4. E os Agostinianos Recoletos se fazem tapauaenses
- 5. Meio século construindo paróquia
- 6. A presença na zona rural
- 7. Grandes períodos de ausência ou solidão
- 8. As prioridades pastorais
- 9. A questão indígena
- 10. A questão educativa
- 11. A questão sanitária
- 12. Solidariedade exterior
- 13. Testemunho: Jesús Moraza
- 14. Testemunho: Enéas Berilli
- 15. Testemunho: Francisco Piérola
- 16. Testemunho: Cenobio Sierra
- 17. Testemunho: Nicolás Pérez-Aradros
- 18. Testemunho: Luis Busnadiego
- 19. Testemunho: Juan Cruz Vicário
- 20. Testemunho: Francisco Javier Jiménez García-Villoslada