Resumo histórico, situação atual e depoimentos pessoais de religiosos que trabalharam lado a lado à comunidade e construíram parte de sua história pessoal ao serviço do povo de Tapauá, Amazonas, Brasil, Paróquia de Santa Rita de Cássia.
A. Antecedentes
Em 1873 se havia criado a freguesia de São João Batista de Arimã, numa comunidade a um dia de navegação da Tapauá, subindo o Purus. Tinha uma capela de tijolo. Durante anos se puderam visitar suas ruínas, mais concretamente seu cemitério, com lousas de mármore que pouco a pouco a selva comeu. Hoje não fica nada. Em Arimã foi enterrado o bispo Inácio Martínez em 1942, após falecer não longe de lá, em Nova Fé, em consequências de febres, durante uma desobriga. Em 1949 seus restos foram trasladados a Lábrea. Durante os primeiros anos de evangelização o sacerdote de Lábrea visitava, todos os anos, Arimã, e ai celebrava os serviços religiosos. Mas a violência e falta à leis, aceleraram seu abandono e ficou sem habitantes.
Martínez (bispo de Lábrea entre 1930 y 1942) foi o primeiro a deixar por escrito a ideia de fundar uma paróquia na região de Tapauá. Havia pensado numa arriscada divisão da Prelazia, com uma paróquia dedicada a Nossa Senhora da Consolação em Paripi (Ave Maria) que abarcaria desde o rio Tapauá até Tambaqui. A falta de pessoal relegou a ideia.
No território de Tapauá havia somente quatro capelas atendidas nas desobrigas, primeiro desde Lábrea e, depois, desde Canutama: a do Santo Soldado de Boca do Jacaré, a de Bom Jesus dos Passos de Tambaqui, a de São Francisco de Boca de Tapauá, o lugar mais populoso até a fundação do município, e a de Jaburu.
B. Nova paróquia (1 de maio de1965)
A paróquia de Santa Rita foi criada no dia primeiro de maio 1965. A data se escolheu pela celebração dos 40 anos da Prelazia de Lábrea e em homenagem ao Vaticano II, cuja quarta e última sessão começava em setembro desse ano. Cestaro fez uma viagem desde Nova Olinda até Paraná de Elba anunciando a criação da nova paróquia.
O bispo José Álvarez demorou em visitar a nova paróquia por problemas de agenda. Durante esses meses viajou a Roma para assistir ao Concílio, participou da ordenação episcopal de Alquilio Álvarez em Soure (Pará), e passou por varias cirurgias e visitas médicas. Dia 26 de setembro de 1967 a cidade o recebeu enfeitada com cartazes; durante vinte dias o bispo conviveu com os paroquianos. Três meses depois renunciou por enfermidade. A Prelazia vive uma longa jornada de três anos sem bispo, até a nomeação de Florentino Zabalza em 1971. Dia 26 de fevereiro de 1974, José Álvarez morreu em Franca (São Paulo).
Em julho de 1967 os paroquianos foram testemunhas, por primeira vez, do carinho e duro trabalho das Missionárias Agostinianas Recoletas da comunidade de Lábrea. A madre Angeles, uma das fundadoras da congregação, junto com as irmãs Maria Inês, Maria Luiza, Ana Maria e Visitação deixaram um grande fruto pastoral e visitaram todas e cada uma das famílias.
C. El templo paroquial
A Prelazia compra a casa de Henrique Cordeiro na praça central de Tapauá por 80.000 cruzeiros (400 euros), preço muito alto segundo os religiosos “considerado a completa deteriorização da casa”. O que mais considerou Cestaro em sua compra, foi o terreiro da propriedade, 10 metros de frente sobre a praça e 60 metros de fundo. Serviu de primeira capela. Mais tarde se comprou duas casas mais, a de Valdomiro Cordeiro (90.000 cruzeiros) e João Nogueira (50.000 cruzeiros), ampliando assim o terreno até a configuração atual.
Antes da fundação da paróquia, o bispo José Álvarez já havia pensado em sua infraestrutura. Por isso, compra em São Paulo, uma estrutura metálica por 725.500 cruzeiros, uns 3.500 euros de hoje. Em Manaus se fazem gestões, pois era impensável conseguir ajuda econômica em Tapauá dada a situação das famílias. A estrutura chega a Tapauá dia 27 de abril de 1963. Não foi fácil desembarcar. O cronista relata a indiferença das autoridades, que não ajudaram para levar semelhante peso barranco acima até o canteiro de obras.
Dia 18 de agosto de 1963 houve um grave incidente. A armação que aguentava a estrutura metálica cedeu e caiu sobre os trabalhadores; cinco saíram ilesos, mas um perdeu uma orelha. A estrutura não se rompeu e se pretendeu continuar com seu uso. Mas, depois de três anos sem ser colocada e pelas inclemências do clima amazônico em seus esqueletos, se procedeu a sua venda em Manaus, e a igreja se levantou com a planta que tem atualmente.
A imagem de Santa Rita foi doada pela paróquia de Lábrea. Antes havia estado no Educandário Santa Rita, na sede da Prelazia. Em 1963, com a igreja sem terminar, se celebra por primeira vez o dia da padroeira. A efeméride é o dia 22 de maio, porém se transferiu para o domingo 19, para permitir a presença de mais pessoas. Ao coincidir com o inverno amazônico, cheia dos rios, a cidade estava quase vazia de homens, ocupados na pesca e na extração de madeira.
A situação da Igreja Matriz é privilegiada dentro da cidade, mas para isso foi preciso construir sobre uma ladeira sua parte traseira. Originalmente tinha somente só uma torre. Em diferentes reformas se foram ampliando, construindo uma segunda torre, melhorando seu sistema elétrico e de som, até chegar a ser hoje um magnífico e digno templo, orgulho dos católicos.
D. A escola paroquial
Quando se estava construindo a igreja, um episódio criou certo conflito nas relações entre católicos e evangélicos. Milton Rosas, patrocinador dos missionários evangélicos, tinha alugado da Prefeitura um terreno vizinho à nova igreja. Durante anos não havia pagado o aluguel nem as taxas referentes à opção de compra preferente. Ao ver que se tinha levantado a igreja católica, colocou de novo, interesse no terreno, com a ideia de levantar um templo evangélico paralelo, em confrontação direta com os católicos.
Os religiosos recoletos, ao conhecer o assunto, pediram à Prefeitura que o terreno fosse doado à Igreja católica, para a construção da já então projetada escola paroquial, com a ideia de evitar que os dois templos estivessem juntos.
A Prefeitura teve que dirimir a questão. Promulgou em abril de 1964 uma lei pela qual todos os terrenos públicos alugados, que não tivessem pagado e que não estivessem sendo utilizando de forma útil, durante mais de um ano, voltaria à sua gestão. No mesmo dia, publicou outra determinação doando concretamente esse terreno para construir uma escola.
Tapauá tinha “um ambiente social impregnado de vícios, onde as crianças e adolescentes se formam na escola de imoralidade e festas contínuas, digo, frequentes”. E assim a educação passa a ocupar um lugar preferencial em seu esforço. “Com as madeiras que estão aqui e as lâminas de telhado [enviados para a casa paroquial], faremos a construção da escola José Álvarez; estamos entusiasmados com a ideia”, escreveram ao bispo dia 15 de março de 1964.
E. A casa da comunidade
A antiga casa comprada de Henrique Cordeiro se desocupou por dentro e se dividiu em dois cômodos: uma ampla sala de quarenta metros quadrados e uma sacristia separada, que servia de dormitório para Cestaro. Nela viveu onze meses, até fevereiro de 1964. Mais de uma noite a chuva teve que pedir asilo, pelas goteiras. Quando chegou Nowacki, passaram a viver em um espaço cedido, nos fundos da Prefeitura, onde havia um quarto, uma sala, cozinha e banheiro preparados para o prefeito, que usava outra residência e permitiu aos religiosos utilizar aquele. Como se indicou, os recursos para a casa foram empregados para a construção da escola paroquial.
Quando chegou a vez da casa da comunidade, as obras das duas construções anteriores, junto com mais material doado pela comunidade de Lábrea, serviram para iniciar o projeto. Também houve generosas doações dos habitantes do Jacinto, um de seus habitantes, Camilo, doou grande quantidade de madeira para a casa. Quarenta anos depois, a mesma pessoa doou o terreno e madeira para Casa de Retiros Cassiciaco.
A construção da casa foi uma odisseia: o descarregamento e o transporte da madeira e 4.500 tijolos no muque; as acidentadas viagens para comprar materiais; o contrato de um mestre de obras de Manaus que fugiu sem terminar o trabalho e com o dinheiro contratado; os problemas com os trabalhadores da construtora, que denunciaram o seu patrão ante a justiça; a hérnia inguinal que sofreu Cestaro por carregar vigas… A chegada de Enéas Berilli e suas habilidades como construtor, permitiram que no dia 20 de julho de 1965 se inaugurasse oficialmente a casa.
Em 1995, dado que a casa está sobre uma forte pendente, houve necessidade de solucionar os deslizamentos de terra e se construiu um muro de contenção, se acrescentaram mais colunas, se trocaram os canos e se fez uma capela. Em 1998 se acrescentou um banheiro em cada um dos quatro quartos, e em 2004 se pintou toda a casa e se instalou ar acondicionado. Um dos seus problemas constantes ao longo do tempo tem sido a concentração de morcegos em cima do forro.
É, sem dúvida, uma das casas mais originais das comunidades Recoletas em todo o mundo. Pela sua configuração, é sumamente prática, pela sua harmonia com a natureza circundante porque, apesar de estar no centro da cidade, a sensação é que se está no meio do mato. Os religiosos a cada dia, fazem suas refeições, tendo a sua vista um imenso bosque.
F. O complexo paroquial hoje
O complexo paroquial de Tapauá está hoje distribuído por toda a sede municipal e alberga edifícios para múltiplos serviços. Na grande praça central, além da Igreja Matriz e casa paroquial, outros edifícios mais servem para diversas finalidades. O salão paroquial está situado no centro da praça e dá para o grande mirador sobre o encontro das águas escuras do rio Ipixuna com as águas barrentas do rio Purus, que durante várias centenas de metros não se juntam e percorrem em paralelo, num fenômeno conhecido como “encontro das águas”.
Depois de sua construção nos 70, este salão se utilizou para todo tipo de eventos. Foi o palco principal das festas da padroeira, tem acolhido a juventude, tem oferecido espaço para a catequese, tem sido alugado por temporadas a projetos sociais do Estado de Amazonas pela erradicação do trabalho infantil (PETI)… Em 2010 se reformou e reforçou.
Ao lado esquerdo da Igreja Matriz se edificaram salas de catequese, de reuniões e encontros pastorais, além de acolher os inícios do Centro Esperança. Em 2005 se acrescentou um segundo andar e se levou para lá a secretaria paroquial e o estúdio da radio. São dez salas com nomes agostinianos ou ligados à historia da Prelazia: Dom Florentino, Dom Ignácio Martínez, Frei Mario Sabino, Frei Jesus Pardo, Irmã Cleusa, Santo Agostinho, Santa Monica, Santa Magdalena de Nagasaki, São Nicolau de Tolentino, Santo Ezequiel Moreno.
Em Tapauá existem mais quatro templos católicos, com suas salas de catequese, para as comunidades de base distribuídas no espaço urbano. Estão dedicados a São José, Santo Agostinho, Nossa Senhora de Aparecida e São João Batista. Tem sido locais de articulação dos bairros e albergado multidão e tarefas sociorreligiosas como a Pastoral da Criança, as visitas a enfermos, ou o trabalho como protagonistas da evangelização dos ministros da Palavra e dos Ministros Extraordinários da Eucaristia, como guias e bons conhecedores de seus próprios vizinhos, desde a autogestão. Já se entrevê a necessidade de uma nova comunidade com suas infraestruturas no bairro Rio Purus, o mais novo e próximo do aeroporto, que tem crescido de maneira espetacular nestes últimos quinze anos.
O Centro Esperança nasceu utilizando as mesmas salas que a catequese, mais tarde contou com um novo edifício e uma quadra esportiva coberta, no bairro do Açaí, o mais populoso da cidade.
Fora da cidade, há umas duas horas por barco e 20 minutos em lancha rápida, está a Casa de Retiros Cassiciaco. É um lugar privilegiado e uma das estampas mais paradisíacas de todo o complexo paroquial. Um porto flutuante no tranquilo Lago Jacinto recebe as pessoas, que após subir por uma escada de madeira, chegam a uma ampla edificação com cozinha, banheiros e uma sala coberta, com paredes abertas à imensidão da selva e vista ao lago.
G. As embarcações
Pode parecer estranho este parágrafo aqui, mas tem sua explicação: o rio Purus é “autopista central” que articula a zona rural com o centro urbano; é a única via não aérea de saída e chegada desde o exterior. Os missionários têm vivido boa parte de seu tempo nos barcos, são parte essencial de seu trabalho, segunda casa, e um dos elementos que mais recursos têm consumido.
Aquela primeira viagem paroquial foi feita por Cestaro numa canoa motorizada da paróquia de Canutama chamada Archimedes. Também usava barcos de vizinhos e amigos. Mas logo se viu a necessidade de um barco próprio para organizar visitas de maneira periódica, com o único objetivo da evangelização. A primeira chegou a meados de 1964. Os recoletos souberam que Mário Maia de Souza, um bom amigo da região de Abufari, vendia uma de suas canoas. Quando negociaram a compra, Mário a ofereceu gratuitamente e ainda deu 5.000 cruzeiros para os consertos necessários. Deram-lhe o nome de Missionária e lhe puseram o motor do Archimedes, cedido já permanentemente.
Isto permitiu aos padres avançar no plano de visitas. Os habitantes do rio Jacaré receberam por primeira vez os missionários Agostinianos Recoletos, a partir do dia 2 de junho de 1964. A miséria que encontraram acabou escrita nos jornais; até viram a insólita morte de fome de um cachorro. Distribuíram leite em pó, farinha de milho e trigo enviados por Cáritas: “O mais lamentável é que todos viviam sepultados numa fossa de dívidas com os patrões e sem nenhuma esperança de libertação econômica; viverão como escravos toda sua existência”. Também visitaram os rios Tapauá, Cunhuã e Piranhas. Anotaram com frequência que o pessoal lhes falava de vestígios de uma tribo desconhecida, primeira referencia escrita sobre os Zuruahã.
Desde então, as embarcações da paróquia tem sido várias e de todo porte, como variada tem sido a procedência dos recursos para adquiri-las e mantê-las. Em 1995 se constrói uma, de estrutura nova, o novo motor, o Barco Santa Rita, com fundos doados por uma família de Ivybridge (Devon, Inglaterra). Dez anos depois foi ampliado com um segundo andar.
A Paróquia e alguns de seus serviços mais centrados na zona rural, como a Pastoral da Terra, a Pastoral Indigenista ou a Pastoral da Criança, tem contado também com diversas lanchas rápidas, com motor de popa.
Não somente fica custoso construir um barco, mas sobretudo mantê-lo. Requer um cuidado constante; manutenção, pintura e calafeto. Milhares de litros de combustível e óleo, pessoal qualificado e um conhecimento profundo do rio, igarapés, furos que aparecem quando as águas estão altas e poupam horas de navegação e combustível. E tudo isso tem que ser pago.
Também tem dado sustos. Na Prelazia de Lábrea, Mário Sabino, religioso, faleceu por um acidente de barco. O atual bispo, Jesus Moraza, sendo pároco de Tapauá e após visitar Canutama, teve um grande susto que quase o leva ao fundo em julho de 1988. Não poucas vezes, mais das que se pensa, se tem relatado por escrito, momentos de grave perigo, acidentes e incidentes inesperados, motor quebrado e necessidade dessa solidariedade do rio, sendo acolhidos ou acolhendo a famílias, enfermos e outros navegantes com problemas.
Tem havido sustos de outro tipo, alguns muito recentes, que incluem desde o registro do barco porque a polícia suspeitava que transportava droga (!) até sua apreensão por falta de licenças da embarcação e do comandante do barco.
Em todo caso, e sempre, a chegada do barco da Paróquia a uma comunidade rural supõe manifestações de alegria, de felicidade e de fazer as pessoas sentirem-se queridas e atendidas em um hábitat que as condena ao isolamento e solidão. A segunda casa dos religiosos navega, levando em si os valores do carisma agostiniano-recoleto, que incluem a amizade e acolhida.
PÁGINA SEGUINTE: 6. A presença na zona rural
ÍNDICE
- Introdução: Tapauá: 50 anos construindo Igreja e Sociedade
- 1. Um mundo de dimensões exorbitantes
- 2. Um hábitat difícil para o ser humano
- 3. Nasce a Paróquia de Santa Rita
- 4. E os Agostinianos Recoletos se fazem tapauaenses
- 5. Meio século construindo paróquia
- 6. A presença na zona rural
- 7. Grandes períodos de ausência ou solidão
- 8. As prioridades pastorais
- 9. A questão indígena
- 10. A questão educativa
- 11. A questão sanitária
- 12. Solidariedade exterior
- 13. Testemunho: Jesús Moraza
- 14. Testemunho: Enéas Berilli
- 15. Testemunho: Francisco Piérola
- 16. Testemunho: Cenobio Sierra
- 17. Testemunho: Nicolás Pérez-Aradros
- 18. Testemunho: Luis Busnadiego
- 19. Testemunho: Juan Cruz Vicário
- 20. Testemunho: Francisco Javier Jiménez García-Villoslada