Monumento dos 25 anos da Paróquia e estado da igreja matriz em 1990.

Resumo histórico, situação atual e depoimentos pessoais de religiosos que trabalharam lado a lado à comunidade e construíram parte de sua história pessoal ao serviço do povo de Tapauá, Amazonas, Brasil, Paróquia de Santa Rita de Cássia.

Nasceu em Pradoluengo (Burgos, Espanha), em 1960. Em 1984, quase dois anos depois de sua ordenação, chegou ao Amazonas, onde tem vivido 25 anos, nove deles em Tapauá, divididos em dois períodos distintos.


Desde criança havia sonhado com as missões e pedi ao provincial para viver nas missões, sem preferência nenhuma. Mandou-me para Lábrea. Que felicidade! Quando cheguei a Lábrea viviam somente três freis; em Pauini, Canutama e Tapauá havia dois. Pelo jeito, aos superiores anteriores lhes parecia normal, já que diziam: e o que vão fazer três freis em Tapauá?

Na reunião anual dos bispos dos de Brasil, Florentino Zabalza, bispo de Lábrea, comentou que tinha que fazer os papeis para um missionário de 23 anos: era eu. Os bispos pegaram no pé dele dizendo que não poderia levar “bebês” às missões e que o iam denunciar à polícia.

Antes de chegar, eu imaginava o que os missionários nos cantavam: uma vida entregada ao serviço do povo; muita luta e entrega, muito trabalho em situações difíceis. Ao chegar, o que tinha imaginado servia muito pouco. Meus esquemas mentais, éticos, morais, não me serviam. Foi um choque psicológico impressionante. Tive que mudar completamente minha forma de pensar e de atuar numa realidade que não tinha nada a ver com o que tinha vivido em minha formação. Aquela pastoral parecia-me chinês: indigenista, da terra, comunidades de base, assessoria e apoio aos movimentos populares… Tive de aprender a trabalhar pelo Reino de uma forma diferente.

Cheguei a Tapauá num momento difícil: um dos missionários voltava para sua Província, Santa Rita; o outro trabalhava no rio. Assim que tive que começar de zero, sem um trabalho organizado. Tudo dependia da iniciativa pessoal. Naquela época na zona urbana de Tapauá viviam uns 5.000 habitantes, e no interior uno 14.000. O provincial daquela época sim tinha claro que era fundamental viver três religiosos em cada comunidade. Logo nos juntamos três, mesmo que por motivos pastorais, nunca estávamos juntos. Certamente as circunstancias tinham melhorado.

No início me dediquei a conhecer o povo, visitar as famílias e fazer comunidade. Existia a matriz de Santa Rita e a capela de Santo Agostinho no bairro do Açaí. Fizemos a capela de São José no bairro do Mutirão com as madeiras trazidas da antiga capela de Cariocanga, uma comunidade rural já sem pessoal pela emigração à cidade.

Nesta primeira fase trabalhamos muito com círculos bíblicos e grupos de novena, com a intenção de formar pequenos núcleos de oração onde os vizinhos se reuniam para ler a Bíblia. Isto, com o tempo, daria lugar ao surgimento das futuras Comunidades de Base de Aparecida e São João, ambas dentro dos bairros da zona urbana.

Também houve encontro com os líderes dos povos Indígenas para apoiá-los na luta por recuperar e manter suas terras. Foi o início que mais tarde deu origem a toda uma organização dos povos indígenas do médio Purus e que hoje em dia tem muita força.

Os 25 anos da fundação da paróquia foi um fato importante. O ato oficial foi o dia 22 de maio. Os religiosos, com o prefeito, algum vereador católico e os fieis, inauguramos um monumento de um artesão local, que esteve na praça matriz até que foi reformada.

Durante minha segunda etapa foi muito trágica a situação política. O prefeito, Ocimar Lopes de Souza, perseguia aos freis, que não apoiávamos suas injustiças. Os pastores evangélicos estavam em suas mãos a troco de dinheiro público para construir igrejas ou seus gastos pessoais. Ao amparo da Igreja Católica se juntaram todos os que lutavam pacificamente para liberar-se desse ditador. Por outro lado, adversários fortemente armados lhe prepararam uma emboscada para matá-lo, mas somente conseguiram feri-lo. O prefeito sim assassinou vários adversários.

Fruto de anos de formação e de colocar os leigos como protagonistas da evangelização, houve um ressurgir dos serviços pastorais. Era uma igreja alegre, jovem, comprometida, entusiasmada por testemunhar a presença de um Deus vivo. Os católicos viviam sua espiritualidade, haviam vestido a “camisa” dando resposta aos evangélicos que sempre os criticavam e riam deles. E eu estava encantado de viver nessa igreja!

Foram também anos de construções: o santuário de Nossa Senhora de Aparecida; a ampliação da matriz e o segundo piso das salas de catequese; a reforma do salão paroquial; o novo Centro esperança e sua quadra multiusos; a nova capela de Santo Agostinho e reforma de suas salas comunitárias; a reconstrução de nova planta da capela de São José e salas de catequese. Foram feitos poços em Aparecida, São João, Santo Agostinho. E se fez o Cassiciaco no lago Jacinto para centro de formação e retiros. Com tudo isso ficou uma infraestrutura ampla, robusta e que presta um grande serviço às necessidade pastorais e sociais que atende.

Quanto à construção “espiritual”, trabalhamos com as orientações da Igreja do Brasil: Comunidades Eclesiais de Base, insistência na equipe de visita às famílias; Pastoral da Terra, apoio aos trabalhadores rurais para que não lhes tirem suas terras nem seus lagos; Pastoral Indigenista, apoio incondicional a estes povos frente a uma cultura anti-indígena, que sempre deu grandes desgostos e inclusive provocou o assassinato da irmã Cleusa, em Lábrea; e apoio aos movimentos populares contra as injustiças e em defesa dos direitos humanos.

Também trabalhamos na formação dos leigos para que assumissem a Pastoral. A partir de 1995 se reforçaram a Pastoral a Criança e Pastoral do Menor, com o Centro Esperança. No século XXI se deu ênfase na Pastoral da Comunicação com a Radio Educativa de Tapauá, que é uma forma extraordinária de evangelização e de superar distancias e solidão.

Nas férias com a família e com as comunidades religiosas em outras partes do mundo, sempre notei entusiasmo. Chamavam-me para que desse palestras, para que pregasse. Uma coisa curiosa: quando cheguei ao Brasil, em férias íamos pregando e pedindo pelas paróquias, para poder comer; alguns davam aulas… O bispo tinha poucos recursos para nos alimentar.

Nossos familiares viviam com muita preocupação. Procurava não contar muitas coisas sobre nosso dia a dia para no alarmá-los. A comunicação se fazia por carta, muito lenta. Com o novo século, em Tapauá, tivemos o telefone em casa. Por outro lado, a família também vivia nosso trabalho com satisfação, tem compartilhado nosso trabalho e sempre tem me apoiado.

Tapauá tem uma população inteligente, criativa, viva, acolhedora, feliz apesar dos muitos problemas. Sentia-me em casa! Assumem sua responsabilidade como Povo de Deus, saber que eles são a Igreja, não o frei que está ali; claro, sempre que se lhes de a oportunidade de ser corresponsáveis na construção de uma sociedade com valores cristãos. O povo de Tapauá me tem ajudado a viver minha consagração em clave profética, já que, estando a seu serviço, tive a oportunidade de anunciar o Evangelho e denunciar as muitas injustiças que se cometem contra eles.

Na minha vida pessoal me senti completamente realizado e feliz lá. Dei tudo o que sabia, compartilhei minha vida, minha juventude com esse povo; recebi uma filosofia e um estilo de vida que me tem enriquecido e me tem convertido no que sou.

Tomara que os tapauaenses vivam intensamente seu aniversário paroquial como um momento em que o Deus da Vida se faz presente para lembrar-lhes as origens da paróquia, sua história e, desta forma, iluminar o futuro. Que sempre tenham presente que esse Deus Itinerante está caminhado a seu lado para acompanha-los, alegra-los e fazer sentir sua presença.

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