Kondo é um jovem da vila de Kakéndema que caiu de uma palmeira. Sua história faz ver a realidade da atenção sanitária. Estava a ponto de perder a vida até que um dos profissionais voluntários da saúde procedentes da Espanha, pode atendê-lo e salvar não somente sua vida, mas também sua perna.

Este é um percurso pela realidade de Serra Leoa, um país onde os Agostinianos Recoletos já têm deixado sua marca. O autor, com a alma ferida e apaixonada, depois de um ano no país, narra seu relato às vezes em primeira pessoa, outras desde o olhar objetivo do observador, com traços de humor e de sonhos de futuro para aquela nação.

No container nos enviam leite e mingau para os bebês. Num lugar com um índice de desnutrição tão grande, é como ouro em pano: salva vidas. Para distribuir, comecei com um critério que me parecia objetivo: somente daria às crianças que por receita médica demonstrassem essa necessidade. Infelizmente não temos leite para todo Biriwa.

Esta vez a chateação chegou mais ou menos cedo. Como no exemplo da hipérbole do “Era-se um home a um nariz pegado” de Quevedo. Bom, pois desta vez não foi nenhuma exageração: veio com a receita, assinada pelo senhor Sesay, o enfermeiro, que não é médico, de Kamabai, uma mulher com uns peitos dignos de tal verso e carregando às costas um sorridente, bonito e gordinho bebê. Só não estava rosado no rosto pela cor de sua pele.

Algo não funcionava. Indagação. E mistério resolvido: Sesay havia começado a vender as receitas de desnutrição, sim, vender, porque na missão distribuíam o leite grátis para quem levava a receita. Bom negócio: vendo o que não dou.

Assim estão as coisas no assunto da saúde. Na região de Biriwa não há um só médico com título, e há uns poucos centros de saúde, dirigidos em todos os casos por enfermeiros que exercem de médicos e cobram um absurdo por qualquer coisa.

A lei é clara: a atenção a menores de cinco anos e gestantes é gratuita. Mas é, mais uma das muitas leis que não se cumprem da legislação serra-leonesa. Nos hospitais públicos se vendem, com toda cara-de-pau, as medicinas dentro da caixa com as letras em inglês: “Proibida a venda. Doação da União Européia”. Ninguém sabe ler, tanto faz como tanto fez que esteja escrito. E ninguém, mesmo que saiba ler, protestaria: todos desejariam ser médicos para fazer o mesmo.

A atenção sanitária brilha pela sua ausência. Num simples passeio de observador você vê feridas mal ou nunca curadas, infecções horríveis, mortes de crianças e adolescentes por besteiras, curáveis com um simples antibiótico.

Uma olhada ao passo prévio, à prevenção, é ainda mais desoladora. Falta absoluta de higiene; relações sexuais promíscuas sem proteção; crença absoluta em curandeiros tradicionais e em ervas mágicas; falta de segurança no trabalho quando este é perigoso; carência de alerta ante o perigo; crianças deixadas na mão de Deus nas ruas, enquanto podem engatinhar; falta de tratamento das águas e de conservação de alimentos… Em resumo: a vida de cada dia é uma bomba relógio para a saúde das pessoas.

Um dos campos de ação mais importantes do voluntariado da missão de Kamabai, é a atenção sanitária. Em 2010, umas 2.500 pessoas tem sido tratadas, o que mostra a enorme necessidade nesta área. Digo isto porque a missão não é um hospital e somente abre consulta quando há um profissional voluntário nela. A maior parte dos atendimentos foi aos pacientes menores de cinco anos (em torno aos 65%).

As principais patologias detectadas tem sido a malária, tifo, enfermidades de transmissão sexual, infecções por feridas não curadas, contrações do aparelho motor devido ao trabalho no campo ou o costume de levar grande peso na cabeça, pressão alta por alimentação inadequada, cura de feridas, pneumonias, elefantíase, hérnias e hidroxilas.

Os médicos e enfermeiros não somente passaram consulta em Kamabai. Também foram realizar tratamentos especiais a pessoas sem mobilidade. Assim, as aldeias de Kakendema, Kathathina, Kathekeyan, Mile 14, Kayonkro e Kassassie II receberam a visita de especialistas da saúde em diversas ocasiões.

Possivelmente esta é uma das tarefas que mais preocupam aos missionários e voluntários. Ao enfrentar-se com essa realidade, sempre surgem coisas inesperadas, inexplicáveis, incongruentes e incompatíveis com a dignidade humana.

Um dos enfermeiros voluntários começou a atender uma mulher. Ela se queixou dessas dores tão habituais devido ao trabalho com posturas muito forçadas. De repente, o voluntário se deu conta de que o bebê que estava nas costas de sua mãe, tinha as mãos completamente queimadas, em carne viva, infectadas e com febre alta. Uma ferida que, se não fosse tratada significaria morte por infecção, em poucas semanas. Mas a mãe… tinha pegado número, devido a sua dor de costas!

Logicamente, o enfermeiro tratou do bebê e disse à mãe que, mais que medicamentos para sua dor, teria que ir ao xadrez. Acho que nem sequer o fazem por malícia. É uma mistura de ingredientes com porcentagens variados segundo a pessoa: ignorância, falta de sentimentos para com os filhos fruto de um matrimonio de conveniência e não de amor, egoísmo, lei da selva (somente resiste e vence o mais forte, não importa quem, como e quantos fiquem pelo caminho).

Os casos e as anedotas neste campo são tantos, demais, que se todos fossem relatados, estou seguro que mais de um leitor acreditaria que são inventados pela mente malévola de algum escritor checo do absurdo ou do pessimismo existencial. Mas infelizmente, nada é imaginação: é o que há.

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